Pedro Branco (guitar and fx)
João Lencastre (drums and electronics)

Every sound you hear is improvised.

Recorded by Tito Carreno at Menos Um Estúdios, Portugal
Mixed by DB at Toolate Studio
Mastered by Ary at Toolate Studio
Cover art by Pedro Branco
João Lencastre plays Zildjian cymbals.

"Que habitabilidade de linguagem, de discurso e, no limite, de identificação estética é possível entre a saída de um enquadramento idiomático e a entrada em outro, tendo em conta que entre esses “sair” e “entrar”, tomados como processos de concretização sempre adiada, está a resolução de não refutar os elementos formais em causa, vindos dos dois lados, mas também de nunca os interiorizar? É a esta difícil pergunta que Pedro Branco e João Lencastre procuram responder por meio de uma prática musical que, na sua extrema crueza – a da improvisação –, torna simples e naturais questões que a nível conceptual parecem complexas, senão mesmo de resolução improvável. Ambos têm actividade habitual nos domínios do jazz e ambos encontram no rock uma segunda motivação, mas neste contexto – o do “entrismo” dos Eel Slap! – encontraram uma forma de lidar com um (emancipando-se do formato jazz) e com o outro (anunciando uma entrega ao rock que nunca acontece) que, ela também, não se configura segundo os posicionamentos daquela parte da música livremente improvisada que não acredita nos postulados do não-idiomatismo. O “Vol. 2” do caminho que a dupla está a percorrer fá-lo de três maneiras. Primeiro procede a desconstruções de métricas e de sonoridades-tipo, mediante temas que evitam quaisquer conotações com aquilo a que se chama jazzcore ou free rock, buscando um inominável apenas norteado por ritmos fragmentários e ruído organizado (guitarra eléctrica mais processamentos de pedaleira), numa adopção que também não pretende ser noise porque tem polaridade acústica (faixas “I”, “II”, “III” e “IV”). Depois, escolhe um paisagismo electroacústico (chamar-lhe-íamos ambientalismo se não fosse imersivo) que adopta a harmonia como elemento principal, uma estratégia que, por princípio, não define nem o jazz nem o rock (faixas “V” e “VI”). Finalmente, salta para fora de tudo o que vem antes, numa contraposição que só podemos entender como relativística e até autocrítica, desviando-se para algo que assume mais a sua condição folk (a norte-americana, marcada pelos blues) do que alguma vez ocorrera antes em relação ao jazz ou ao rock, pelo que ouvimos da guitarra de caixa com cordas de aço, em ocasiões tocada segundo a tradição por um slide (faixa “VII”). O que significa, este final? Que o não-conformismo dos Eel Slap relativamente ao jazz e ao rock, assim como às cartilhas da improvisação não-idiomática e do noise, acaba por se render quando surge outra referência de género – por sinal uma que não detectamos nos percursos de Branco e Lencastre? Não será bem assim, dada a abissal distância entre o que tocam e o que são os modelos estabelecidos da Americana, mas de folk se trata ainda assim, pelo que só podemos entender esta carta fora do baralho como um statement de ironia. Com muito de um delicioso, desarmante e positivista cinismo. Para todos os efeitos, é este cinismo que caracteriza a “meta-modernidade”, condição millenial que nos chegou depois da falência do pós-modernismo. A folk deste fechar de embrulho parece ter uma mensagem: a de que as questões epistemológicas do jazz e do rock já cansam e talvez seja altura de olharmos para outro sítio, não implicando tal, necessariamente, que o corpo acompanhe a direcção do que avistamos (se o propósito é vencer o cansaço, pode continuar, como neste disco, na terra de ninguém entre o jazz e o rock). No caso calhou ser a folk, como somos levados a concluir."

Rui Eduardo Paes